Capítulo 1 – O Sargento Ferido
A dor não vinha mais em ondas — era um manto espesso, permanente, que cobria tudo.
O sargento Alexander Meyer mantinha os olhos semicerrados, a respiração presa, o gosto metálico no fundo da garganta. O cheiro de sangue seco se misturava ao da terra úmida e das folhas apodrecidas da floresta francesa. Estilhaços de granada fizeram atravessar seu flanco, e impactaram o lançamento longe do restante do pelotão.
Fazia horas que não ouvia tiros.
Talvez dias.
O frio o consumia lentamente, mas era o silêncio que o assombrava.
Arrastou-se com esforço por entre as raízes e arbustos, uma trilha de sangue marcando seu rastro. O uniforme estava rasgado, sujo e colado à pele como papel queimado. O braço esquerdo não responde. A única coisa que o movimento era o instinto — ou talvez fosse a lembrança dos olhos da mãe, o cheiro da sopa quente, a ideia distante de uma lareira acesa em algum lugar do mundo.
Caiu outra vez.
Tudo escureceu.
Quando acordou, a luz era tênue. Um teto de madeira — vigas antigas, cheirando a fumaça — tremia levemente sob o vento. Estava deitado sobre um colchão áspero, coberto com uma manta de lã marrom. Sentia o corpo leve demais, e ainda assim dolorido. Tentou se mexer, mas a pontada no abdômen o obrigou a soltar um gemido seco.
— Não se mexa. — disse uma voz baixa, feminina, com sotaque francês.
O som da cadeira rangendo denunciou sua aproximação.
Ela apareceu ao lado da cama: uma mulher de cabelos escuros presos num coque desalinhado, com o rosto cansado e sério. Usava um vestido simples, de tecido grosso, manchado de terra. Os olhos castanhos foram esquecidos como era o brilho da juventude — mas havia algo forte neles. Algo que não se rende.
— Eu te encontrei desmaiado na floresta. Com febre. Estava em estado grave.
— Quanto tempo…? — a voz dele saiu rouca, como se tivesse bebido fumaça.
— Três dias. Você delirou. Disse o nome Alexander. E que era sargento. É isso?
Ele casualmente, lentamente.
Ela o observou por mais um instante antes de falar novamente.
— Sou Claire. Clara Dubois. Moro aqui com meus filhos. Você está seguro. Por enquanto.
O sargento tentou falar mais, mas o cansaço o venceu outra vez.
Nos dias seguintes, acordeva e dormia entre curativos e caldos quentes. Claire cuidava dele com mãos firmes, mas não gentis. Trocava suas ataduras em silêncio, limpava as feridas sem hesitar. Havia uma reserva entre eles, como se cada palavra precisasse passar por um campo minado antes de ser dita.
Na terceira noite, consegui me sentar. O chalé era modesto, feito de pedras e madeira envelhecida. Havia apenas dois cômodos — a sala principal e um pequeno quarto onde, pelo que entendi, dormiam os filhos dela. Claire dormia numa espécie de canto separado, com uma cortina como divisória.
— Você mora aqui sozinha? — perguntou ele, com a voz um pouco mais firme.
Ela assentiu.
— Meu marido foi convocado em 1940. Nunca voltou. Nem notícias. A guerra levou tudo. Os homens, os suprimentos, a esperança.
Ela falava como quem já estava acostumada a perder.
Alexander passou os olhos pelo lugar. Um fogão a lenha exalava calor; uma chaleira tremia suavemente sobre ele. As janelas estavam cobertas com panos escuros. Em cima da mesa, um cesto com batatas pequenas e cenouras já murchas. O chão rangia em alguns pontos. Era um lar de guerra — remendado, resistente, silencioso.
Mas havia uma dignidade na maneira como Claire se movia. Na forma como levantava cedo, cuidava das crianças, colhia lenha, tratava do pouco que cultivava num canteiro atrás da casa. Ela não se deixara quebrar.
— Eu… não tenho como agradecer. — disse ele, com um leve toque de emoção.
Ela respondeu sem olhar para ele:
— Não me agradeça ainda. A guerra ainda está aqui. E você pode ser um perigo.
Na semana seguinte, ele começou a se mover melhor. Cortava lenha, mesmo com dificuldade. Arrumava o telhado do galinheiro. Aos poucos, as crianças se aproximaram — um menino de seis e uma menina de nove. Desconfiados no início, começaram a fazer perguntas, rir com suas histórias e lhe trazer maçãs pequenas como oferenda de paz.
Certa noite, enquanto Claire lavava pratos e ele secava ao lado, as mãos se tocaram brevemente. Nenhum dos dois comentou. Mas o toque permaneceu, como uma brasa silenciosa sob a cinza.
Ele ainda era um homem em guerra, mas ali, no fim do mundo, começava a lembrar o que era viver.
E Claire, mesmo sem admitir, começava a temer o momento em que ele iria embora.
Capítulo 2 – O Silêncio e o Calor do Fogo
As noites vinham como véus de neblina e frio. No chalé escondido entre colinas e árvores nuas, o mundo parecia suspenso. Nem guerra, nem paz — apenas o intervalo entre dois tempos.
Alexander passava mais tempo for a da cama agora. Os movimentos ainda eram cautelosos, mas a dor já não ditava cada gesto. Claire observava tudo com olhos que fingiam não se importar, mas ele via as pequenas concessões: um prato extra sobre a mesa, uma manta dobrada deixada ao seu lado, o leve sorriso quando ele ensinou o menino a prender uma armadilha com galhos e barbante.
O fogo crepitava no centro da sala. A lareira era antiga, de pedras irregulares. O calor era difuso, e mesmo assim bastava para dar a sensação de abrigo. Alexander preferia sentar-se diante dela nas noites longas. Claire, por hábito, costurava em silêncio.
A tensão entre eles era feita de tudo o que não diziam.
Uma noite, o frio se adensou como fumaça. A neve começara a cair com violência, cobrindo a paisagem como um lençol branco. O vento uivava, e o teto parecia estalar.
Claire recolhera as crianças cedo. A porta do pequeno quarto deles foi fechada com cuidado.
Ela voltou à sala com uma garrafa na mão.
— Vinho de beterraba. É o que restou. — disse, sentando-se na cadeira perto da lareira.
Alexander ergueu as sobrancelhas.
— Nunca provei isso. Tem gosto de…?
— Luto, talvez. — ela respondeu, sem rir.
Mas depois de dois goles, o calor começou a invadir os membros. Os olhares se tornaram menos afiados, mais longos. Claire tirou os sapatos, colocou os pés sobre um pano e esticou as pernas. A barra do vestido subiu levemente, revelando as canelas pálidas. Ele desviou os olhos, respeitoso, mas o sangue lhe correu mais rápido.
— Há quanto tempo está aqui? — ele perguntou.
— Desde antes da guerra começar. Meu pai deixou esta casa. Depois que Louis foi embora… eu não tive para onde ir. E os meninos precisam de um lugar onde o céu ainda não caiu.
Ela bebia devagar, os olhos fixos no fogo.
— E você? O que te trouxe até aqui?
Alexander hesitou. Sua mão direita tocou a cicatriz no flanco.
— Um erro de cálculo… e sorte. Muita sorte. Talvez eu devesse estar morto. Mas seu chalé apareceu no momento certo. Ou você. — ele murmurou.
Claire o olhou por um instante longo. Depois virou o rosto.
— Não diga isso.
— Por quê?
— Porque ninguém deveria me ver como sorte.
O silêncio seguinte foi mais denso do que o anterior. Ele a observava — as sombras da lareira dançavam sobre o rosto dela, acentuando a curva dos lábios, a rigidez do maxilar, os traços que contavam histórias sem palavras.
E então, ela quebrou o silêncio:
— Você se incomoda se eu me sentar no tapete? Preciso sentir o calor direto do fogo.
Ele negou com a cabeça.
Ela se aproximou, ajoelhou-se com cuidado, ficando de costas para ele. O vestido se moldou ao corpo esguio. Por um momento, ela fechou os olhos, deixando que o calor tocasse seu rosto. O silêncio parecia íntimo demais.
Alexander se moveu, sentando-se mais próximo, ao lado dela. Seus joelhos se tocaram de leve.
Claire não recuou.
— Eu… não sou boa com pessoas. — ela disse, numa sugestão quase frágil.
— Nem eu. Não mais.
Ela se virou, devagar, como quem testa o chão antes de pisar. Os olhos se encontraram. Havia uma respiração presa entre eles. O mundo lá fora era apenas neve, vento e guerra esquecida.
Os rostos se aproximaram.
Ela foi quem tocou primeiro — a mão deslizou pela nuca dele, os dedos enroscando-se nos cabelos curtos. O beijo veio lento, como se buscassem se refletir ali. Mas logo a urgência rompeu a delicadeza.
Claire o empurrou para trás, devagar, fazendo-o deitar sobre o tapete. Montou sobre ele com naturalidade — como quem lembrava o caminho, mesmo depois de anos. Os dedos desataram os botões da camisa dele, revelando a pele marcada, os músculos tensos, as cicatrizes que já não faziam tanto.
Ela beijou cada marca, uma por uma.
— Você é real? — ele sussurrou.
— Eu deveria perguntar isso a você. — respondeu, antes de descer o vestido pelos ombros.
O tecido caiu como esperado sobre o tapete. A pele dela era clara, quente sob a luz do fogo. O corpo de Claire não era o de uma jovem donzela — era o de uma mulher feita de perdas e resistências. Havia beleza no modo como ela o encarava, sem medo, como quem já não fingia mais.
Eles se amaram ali mesmo, sobre o tapete gasto, sob a dança das chamas. O calor da lareira misturava-se ao da pele. Os gemidos contidos, abafados pelo tecido e pelo desejo, ecoaram como súplica e rompimento. Cada toque era carregado de fome e de ternura. Era sexo, sim — mas também era sobrevivência.
Depois, ela apareceu sobre o peito dele, o rosto aninhado em seu ombro, os olhos fechados.
Alexander está envolvido com o braço bom, sentindo o coração dela ainda acelerado.
Do lado de fora a, a guerra segue.
Mas ali, no interior de um chalé perdido, dois corpos sabiam que algo novo havia começado.
Capítulo 3 – Fantasmas e Desejos
O amanhecer chegou em tons azuis, com o peso de um segredo recém-nascido.
Claire concordou antes do fogo se apagar. Ainda estava sobre o peito de Alexander, sentindo a respiração dele em sua nuca — lenta, firme, viva. Mas não era o calor do corpo dele que a mantinha desperta, e sim o que vinha depois: o mundo real, o medo silencioso, o peso de ter se permitido sentir.
Levante-se com cuidado, sem acordá-lo. Vestiu-se em silêncio, os pés descalços pisando o chão frio de madeira. O vestido ainda tinha o cheiro dele — e do que tinha sido na noite anterior.
Do lado de fóruns, a neve derretia em pequenos rios sobre o telhado.
Ela foi até o pequeno quarto das crianças. Eles dormiram enroscados, os rostos serenos. Claire os observou por um tempo, como quem busca forças em algo que não muda. Então voltei para a sala e encarou a lareira morrendo.
Alexander abriu os olhos quando ela se ajoelhou para reavivar o fogo.
— Você fugiu de mim? — ele disse, com a voz rouca, quebrada de sono e sentimento.
— Eu fugi de mim mesma. — respondeu sem virar o rosto.
Ele se sentou, ainda nu, puxando a manta que estava ao lado. Claire lançou-lhe um olhar breve, e houve algo elétrico no ar — mas mais sombrio, agora. Como se algo tivesse se quebrado na leveza da noite anterior.
— Clara…
— Não. Não diga nada. Só… me dê tempo.
Ela levantou-se e desapareceu na cozinha.
Os dias seguintes foram estranhamente silenciosos. Eles falavam o necessário. Sorriam para as crianças. Trabalhavam juntos. Mas a intimidade que haviam dividido diante da lareira agora pendia sobre os dois como um véu pesado.
Alexander entendia. Claire era feita de contenção. Ela guardava tudo em compartimentos, como se fosse perigoso demais deixar qualquer emoção escapar por muito tempo.
Na terceira noite após a entrega entre eles, a tensão se rompeu.
Foi Claire quem entrou no quarto onde ele dormia — um pequeno cômodo improvisado com uma cama de tábua e cobertas remendadas. Ela estava com os cabelos soltos e os olhos escuros de tanto pensar.
Sem dizer nada, deitou-se ao lado dele. Encaixou-se sob seu braço e ali permaneceu.
Ele não a tocou de imediato. Deixou que fosse ela quem buscasse o calor — e ela buscou.
— Eu perdoe. – sussurrou. — Eu… quando te vejo dormir, me dá medo. Medo de que vá embora, medo de que fique. Não sei mais o que é pior.
Ele se virou de lado e a encarou.
— Clara. Eu também perdi. Não apenas amigos. Perdi minha casa. Perdi fé. E mesmo assim, você me deu uma janela. Um lugar onde eu escuto o próprio coração outra vez.
Ela encostou os lábios nos dele.
— Então escute. — Murmurou.
Naquela noite, fizeram amor lentamente. Não foi como na lareira — não houve pressa, nem fome. Foi diferente. Como se cada toque dissesse “estou aqui”, e cada suspiro respondesse “eu também”. Os corpos se moveram juntos, em sincronia quase silenciosa, como se o mundo inteiro estivesse contido naquela cama pequena.
Os gemidos foram abafados pelas mantas. O quarto escuro os envolvia como um segredo ancestral. A cada investida lenta, a cada beijo longo, ela se entregava mais. E ele também.
Depois, deitada sobre o peito dele, ela falou de Louis — o marido morto. Contou como ele havia partido para a guerra prometendo voltar com histórias. Como o correio havia parado de chegar. Como esperou por um corpo que nunca veio.
— Não sei se o amava. Ou se amava a ideia de não estar sozinha. — confessou.
— E comigo? — perguntou Alexander, num tom calmo.
— Com você… eu não sinto controle. Não sei onde isso vai dar. Mas sinto… sinto que estou viva.
Na manhã seguinte, Claire caminhou sozinha até o pomar de árvores secas. A brisa fria tocava seu rosto como dedos invisíveis.
Ao longe, viu Alexander conversando com os filhos. Eles riam. Estavam construindo uma pequena armadilha de madeira, e o menino mostrava a língua em desafio. Por um instante, Claire sentiu uma pontada no peito. Não de medo. Mas de esperança.
E essa era uma emoção que ela não sabia como controlar.
O mundo ainda estava em guerra. Mas ali, naquele pequeno pedaço de chão esquecido pelos mapas, ela descobria que o verdadeiro perigo não era morrer.
Era viver outra vez.
Capítulo 4 – Corpos na Penumbra
O frio voltou a cair como um manto silencioso naquela noite.
Claire demorou mais que o habitual para apagar as lamparinas. Os filhos já estavam dormindo. A porta do quarto deles fechada, o chalé em penumbra. Alexander permanecia junto à lareira, reacendendo as brasas com um pedaço de lenha seca. Estava de camisa aberta, os pés descalços, e a pele refletia o calor avermelhado do fogo.
Ela o observou da porta da cozinha por alguns instantes. Seu peito subia e descia em ritmo calmo. As costas largas, as marcas de feridas cicatrizadas, os ombros firmes… aquele homem não era mais apenas um hóspede, um sobrevivente. Era algo que agora fazia parte do lugar — da rotina, dos silêncios, até dos pensamentos que ela evitava nomear.
Claire se aproximou sem dizer palavra.
Ele sentiu sua presença antes mesmo de ouvi-la. E quando ela se ajoelhou ao seu lado, os joelhos tocando o tapete, ele apenas virou o rosto devagar.
— O fogo vai durar até o amanhecer. — disse, num sussurro.
Ela assentiu. Não precisava mais de palavras.
Alexander estendeu a mão e tocou a barra do vestido dela, puxando-o com lentidão, quase como quem pede permissão com os dedos. Claire deslizou as alças pelos ombros. O tecido caiu, suave, revelando o corpo por completo à luz bruxuleante.
A pele de Claire era clara, marcada pelos dias duros, mas bela em sua maturidade. Seios firmes, ventre levemente curvado pelo tempo e pelos filhos, quadris generosos. Alexander a olhou como se ela fosse a primeira mulher que via na vida. Seus olhos não tinham fome — tinham reverência.
Ela o puxou para si.
O beijo foi molhado, cheio, denso. Um encontro de bocas que já sabiam o caminho, mas ainda se surpreendiam. As mãos dele exploraram suas costas, sua nuca, as laterais do corpo. Claire gemeu baixo quando ele a deitou sobre o tapete, sentindo o calor da pedra sob a pele.
Alexander despiu-se sem pressa. Seu corpo era firme, masculino, marcado por músculos e feridas. Ela passou as mãos por ele como quem decifra uma carta.
— Você ainda dói? — ela perguntou, olhando para a cicatriz no flanco.
— Não quando estou com você. — respondeu, segurando seu rosto com ternura.
Eles se amaram ali, na penumbra viva da lareira, com os corpos entrelaçados e as sombras dançando nas paredes. Cada movimento era intencional, cada toque vinha carregado de significado. Claire o envolveu com as pernas, puxando-o para dentro de si com urgência e entrega.
Alexander a penetrou com força crescente, mas com o cuidado de quem respeita. O som da pele contra a pele, dos gemidos abafados, da respiração irregular — tudo se misturava ao estalar da lenha queimando. Ela cravou as unhas em suas costas quando atingiu o clímax, os olhos fechados, o rosto virado para o teto de madeira, como se chamasse por um Deus que não respondia mais.
Ele a seguiu logo depois, murmurando o nome dela no ouvido.
— Clara… Claire… Claire…
Após o ápice, ficaram deitados lado a lado, cobertos apenas por uma manta e pelo calor residual da paixão.
Ela virou-se de costas para ele, mas logo sentiu o braço de Alexander envolver sua cintura.
— Você está tremendo. — disse.
— Não é de frio. — respondeu ela, com a voz embargada.
Alexander beijou sua nuca, sem exigir que ela explicasse.
Na madrugada, Claire sonhou com o marido morto. Louis aparecia em pé diante da lareira, vestindo farda, mas com o rosto apagado. Ela o chamava, mas ele não respondia. Então ele se virava e caminhava para a porta, desaparecendo com o vento.
Ela acordou com o peito apertado.
Ao seu lado, Alexander ainda dormia. O rosto sereno, a respiração profunda.
Claire o observou por longos minutos.
No fundo, sabia que o fantasma de Louis estava se despedindo.
E que o lugar dele já havia sido tomado.
Capítulo 5 – Leite, Terra e Barro
Os dias passaram como nuvens arrastadas por um vento antigo. A guerra, ao longe, ainda roncava — mas ali, naquele pedaço esquecido entre as colinas francesas, a vida se impunha em pequenos gestos: preparar a terra, alimentar as galinhas, aquecer leite, carregar água do poço.
Claire e Alexander se moviam como uma dança tácita. Cada um sabia onde o outro estaria, o que precisava ser feito, como dividir o pouco que tinham. Ele reconstruíra parte da cerca caída, reaprumara o telhado do celeiro e ensinava o menino a lançar pedras como granadas. As crianças o amavam — e Claire, cada dia mais, se perdia no modo como ele se tornava parte de tudo.
Mas ela ainda evitava o nome “futuro”.
Na manhã daquele sábado, o céu estava claro, mas o barro tomava conta do chão. A neve derretida deixara rastros de água por todos os lados. Claire recolheu os cestos vazios e caminhou descalça até o galinheiro, com a barra da saia já salpicada de lama. Alexander vinha logo atrás, carregando baldes com cascas secas e ração.
— Vai torcer o pé, andando assim. — advertiu ele.
— Já torci coisas piores. — ela sorriu sem se virar.
Ele riu, jogando uma pequena pedra na direção dela, provocando.
Claire parou na entrada do celeiro e se virou com uma expressão semi-séria, semi-divertida.
— Está se sentindo em casa demais, soldado.
— Talvez porque tenha encontrado um lar, madame. — respondeu ele, fazendo uma leve reverência.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Então prove isso. Me ajude a separar as fardas velhas do meu pai e limpar o canto das vacas. Está um nojo.
— Com prazer. Sou bom com sujeira.
O interior do celeiro tinha cheiro de madeira molhada, palha velha e animais. A luz entrava filtrada pelas frestas, criando listras douradas no ar. Claire organizava os panos e mantas enquanto Alexander levantava uma das pesadas cortinas que cobriam ferramentas.
— Ainda tem leite fresco? — ele perguntou.
— Tem. Mas só se você ajudar a ordenhar.
— Nunca fiz isso.
— Então chegou a hora de aprender.
Ela o guiou até o canto onde a vaca pastava lenta e impaciente. Ele se agachou com um banquinho improvisado, observando as mãos firmes de Claire mostrarem o movimento. O gesto era ritmado, suave, quase sensual. O leite espirrava em jatos para dentro da pequena vasilha.
Alexander observava, e seu olhar foi descendo das mãos para os braços, depois para os seios dela, apertados pelo espartilho gasto.
— Você está olhando leite demais. — ela disse, sem encará-lo.
— Difícil não olhar.
Ela largou o balde e se virou, os olhos brilhando de desafio.
— Quer ver mais de perto?
Ele nem respondeu. Caminhou até ela, sujo de barro, e a puxou pela cintura. O beijo veio rude, com gosto de suor, leite fresco e desejo acumulado. Claire o empurrou até encostar numa das paredes do celeiro. Com os olhos acesos, puxou a camisa dele por cima da cabeça.
— Agora é sua vez de sujar. — ela disse, antes de se ajoelhar.
Mas ele não deixou. Puxou-a para cima e a deitou sobre o feno úmido. A barra da saia subiu com violência. As coxas estavam marcadas de terra. Ele se ajoelhou entre elas e percorreu com a boca cada curva. Claire arqueou as costas, a respiração falhando.
Quando ele a penetrou, foi como um relâmpago. O movimento era bruto, mas compassado. Os dois estavam cobertos de suor e poeira, o corpo dela se ergueu ao encontro do dele com selvageria e entrega.
Os gritos foram abafados pela madeira, mas os ecos vibraram nas vigas.
Ela cravou os dentes no ombro dele no clímax, e ele respondeu com um estalo de prazer, apertando-a ainda mais contra o chão. Depois, ficaram ali, colados, ofegantes, sujos de barro e leite.
— Isso foi… inaceitável. — ela murmurou.
— E vai acontecer de novo. — ele respondeu.
Ela riu. Riu de verdade. Pela primeira vez desde o início da guerra.
Naquela noite, jantaram simples: pão duro, sopa de legumes e vinho de beterraba. As crianças riam. Claire o olhava por trás da taça, como quem já não conseguia esconder o orgulho. Ele era parte do lar agora. Mesmo que os fantasmas ainda rondassem, mesmo que a guerra ainda existisse além das colinas.
Ela foi dormir com o corpo exausto e o coração pulsando no peito como se tivesse vinte anos outra vez.
E enquanto o vento batia contra as janelas, no escuro do chalé, Claire finalmente ousou sonhar com uma vida depois da guerra.
Capítulo 6 – O Som do Avião
O céu estava pesado, cinza como chumbo, quando o som distante de um motor cortou o silêncio da manhã.
Alexander e Claire pararam o que estavam fazendo, os olhos se encontrando com um pressentimento quase antigo — aquele som não era só um ruído. Era um aviso.
O chalé parecia prender o ar, os minutos se esticando como se fossem horas.
— Avião de reconhecimento, talvez. — murmurou Alexander, ajeitando a camisa manchada de terra e suor.
Claire fechou a janela, batendo as palmas das mãos para aquecer. Os filhos brincavam no canto do quintal, inconscientes do que se aproximava.
A tensão instalou-se invisível, mas palpável.
Naquela noite, a casa foi tomada por uma quietude diferente. A luz da lareira se refletia nas paredes, o crepitar das chamas embalava os pensamentos. Claire preparava a sopa na cozinha, o aroma quente preenchendo o ar.
Alexander estava sentado à mesa, as mãos entrelaçadas, o olhar distante.
Ela se aproximou com uma garrafa de vinho rústico, derramando o líquido em duas taças.
— Devemos aproveitar enquanto ainda podemos. — disse ela, os olhos brilhando com uma mistura de melancolia e desejo.
Ele sorriu, um sorriso que não chegava aos olhos.
— Você sabe que a guerra não nos espera para nada.
Eles beberam em silêncio. Então Claire se aproximou dele, deslizando uma mão pelo braço.
— Talvez devêssemos tornar essa noite inesquecível.
Alexander levantou-se, puxando-a suavemente para perto.
A cozinha era pequena, iluminada apenas pela chama tremeluzente da lamparina pendurada no teto. O calor do fogo parecia insuficiente diante do frio que insistia em se infiltrar nas paredes.
Mas naquele instante, nada mais importava.
Claire o beijou, suas mãos explorando a nuca e os ombros dele, os dedos trançados nos cabelos curtos. Ele a envolveu com força, a respiração misturando-se num ritmo acelerado.
Ela se afastou apenas para tirar o avental, revelando a pele pálida e os contornos do corpo marcados pelo tempo e pelo sofrimento.
Alexander seguiu seus movimentos, desabotoando a blusa dela com uma urgência contida.
Seus corpos se encontraram no meio da cozinha, entre a mesa rústica e a porta que dava para o quintal.
O chão de madeira rangia sob seus passos, mas eles não se importavam.
As mãos de Claire percorriam as costas dele, sentindo a firmeza dos músculos, as cicatrizes que contavam histórias de batalhas e perdas.
Ele a levantou, apoiando-a na bancada enquanto deslizava as mãos pelos quadris dela, puxando-a para perto.
O beijo tornou-se mais profundo, selvagem. O calor da paixão queima dentro deles, misturando-se ao aroma da sopa e do vinho.
Eles se amaram ali, na cozinha simples e fria, contra a parede onde penduravam as panelas.
Cada toque era urgente, cada suspiro um desafio ao tempo e à guerra que ameaçava tudo.
Quando finalmente se entregaram ao silêncio que sucede o prazer, Claire encostou a cabeça no peito dele, ouvindo o coração que batia forte e constante.
— Ainda temos tempo. — sussurrou ele.
— Talvez não por muito mais. — respondeu ela, com um sorriso triste.
Lá for a, o som distante do avião cortava o céu, como um lembrete incansável de que a guerra não terminaria sem deixar cicatrizes.
Mas, naquela cozinha rústica, dois corpos aprenderam a desafiar o destino.
Capítulo 7 – Um Uniforme que Voltou
A manhã nasceu cinzenta e silenciosa. O ar pesado parecia antecipar a tempestade que se aproximava — não a do céu, mas a que vinha sobre eles, invisível e implacável.
Claire cuidava do pequeno jardim perto do chalé quando ouviu o som de botas pesadas sobre a terra molhada. Olhou para a estrada de terra que serpenteava entre as árvores e congelou.
Um pelotão de soldados aliados marchava lentamente, carregando mochilas, armas, o peso da guerra nos ombros cansados.
Ela reconheceu o uniforme — não podia ser outra coisa. Mas seu coração se apertou quando um deles parou abruptamente, afastando-se do grupo.
Os passos se aproximaram.
Alexander ergueu-se do banco onde limpava uma ferramenta, suas mãos paralisadas. Ele olhou para o soldado, os olhos arregalados, o rosto empalidecendo.
O homem parou a poucos metros, fitando-o com uma mistura de surpresa e dúvida.
— Alexandre Meyer? — perguntou, a voz firme.
Ele não respondeu de imediato. A tensão era palpável.
— Sargento Meyer, você está em liberdade condicional? — continuou o soldado.
Um silêncio pesado se instalou entre eles. Claire, escondida atrás da porta, sentiu o peito apertar.
— Eu… — Alexander tentou falar, mas as palavras fugiram.
Outro soldado se aproximou, trazendo documentos que confirmavam o paradeiro de Alexander, marcado como desaparecido e acusado de deserção.
— Por ordens do comando, você está detido. — disse o oficial, com autoridade.
Claire deu um passo à frente, mas Alexander a deteve com um gesto firme.
— Claire, fique calma. Isso vai acabar.
Mas ela sabia que nada seria tão simples.
Os filhos choravam no interior do chalé, enquanto ele era algemado e conduzido para o jipe que os esperava na estrada.
Antes de partir, ele lançou um último olhar para ela — um olhar carregado de promessas e despedidas.
O motor roncou, e o pelotão desapareceu na névoa, levando consigo o homem que havia se tornado mais que um sargento ferido. Um homem que, naquele momento, era acusado de traição.
Claire permaneceu parada, os olhos marejados, sentindo o peso do silêncio que se seguia.
A guerra, pensou, não era apenas feita de batalhas no campo. Era feita também de despedidas silenciosas, de esperas intermináveis e de corações partidos.
Capítulo 8 – Um Número no Tribunal
O tribunal militar era um salão frio e impessoal, com paredes de pedra e janelas pequenas que deixavam entrar pouca luz. Alexander Meyer estava sentado, a postura rígida, as mãos inquietas sobre o colo. Ele não era mais um homem — era um número, um processo, uma sentença em potencial.
O oficial encarregado iniciou a sessão com voz grave, enumerando as acusações: deserção em tempo de guerra, abandono de posto e traição à pátria.
As palavras caíam como martelos sobre a alma do sargento.
Mas Alexander não permitiu que o desespero o dominasse. Olhou para o juiz, para os oficiais, para a mesa onde seus registros estavam espalhados — e decidiu que sua salvação estaria naquilo que eles não podiam contestar.
Suas cicatrizes.
Com calma, explicou que os ferimentos eram provas da verdade, marcas da batalha que travara sozinho, em silêncio, longe dos olhos que o julgavam.
— Eu não me lembro… — disse, a voz baixa, mas firme — eu não me recordo dos eventos daquele dia. Minha mente está… fragmentada.
O silêncio tomou conta da sala.
O advogado de defesa, surpreendido pela estratégia, reforçou a tese da amnésia dissociativa, citando casos semelhantes e a impossibilidade de condenar alguém incapaz de se defender plenamente.
As testemunhas, por mais rigorosas, não tinham provas concretas contra ele além das ordens e do desaparecimento.
O julgamento arrastou-se por horas. Alexander manteve o olhar fixo, o corpo tenso, como uma rocha contra a tempestade.
Ao final, a decisão foi tomada: suspensão do julgamento, concessão de liberdade condicional e encaminhamento para reabilitação, sob condição de retorno à ativa ou a novos procedimentos conforme o curso da guerra.
Quando o martelo caiu, Alexander sentiu um peso se levantar dos ombros. Ainda preso à incerteza, mas livre — por enquanto.
Ao sair do tribunal, seus olhos buscaram a multidão. Não havia Claire, mas ele sabia que ela esperava.
Capítulo 9 – O Retorno na Estrada
Dois anos haviam passado como uma névoa espessa — dias vazios, noites longas, esperas silenciosas que pareciam carregar o peso do mundo.
Claire caminhava lentamente pela estrada de terra que levava ao vilarejo. O sol estava baixo no horizonte, tingindo o céu de dourado e púrpura. O vento frio brincava com os cabelos soltos e arrastava folhas secas pelo caminho.
Seu peito apertava-se de um jeito inexplicável, uma mistura de ansiedade e esperança que ela tentava esconder do mundo e de si mesma.
Aos poucos, uma silhueta surgiu ao longe — um vulto hesitante, cansado, mas firme.
Mesmo a distância não apagava a certeza.
Ela parou, o olhar fixo naquele corpo que se aproximava. O coração disparou, a respiração falhou.
Era ele.
Alexandre.
O sargento marcado pelo tempo, pelas cicatrizes e pela guerra que ainda corria em suas veias.
Ele caminhava com passos lentos, o uniforme gasto e a expressão carregada, mas os olhos — aqueles olhos — brilhavam ao vê-la.
Claire sorriu, um sorriso que iluminou seu rosto cansado.
O mundo pareceu se recompor naquele instante.
Eles se aproximaram, como se puxados por uma força invisível e irrevogável.
Quando finalmente se tocaram, foi como se todo o vazio dos últimos anos desaparecesse em um só abraço.
Ele a envolveu com força, como se não permitisse que nada pudesse separá-los de novo.
Ela sentiu as mãos dele tremendo levemente, e a respiração entrecortada.
— Eu voltei. — sussurrou ele.
— Eu esperei por você. — respondeu ela, as lágrimas deslizando silenciosas.
Eles permaneceram ali, no meio da estrada, entre a poeira e o vento, segurando-se como se fossem o único refúgio que ainda existia.
A guerra tinha marcado suas vidas, mas ali, naquele reencontro, algo novo florescia — uma promessa de vida, de amor, e de um futuro ainda incerto, mas compartilhado.
Capítulo 10 – O Olhar no Horizonte
O sol nascia lentamente sobre as colinas, espalhando uma luz dourada que parecia promessa. Claire e Alexander estavam juntos, sentados na beira da estrada, os corpos ainda entrelaçados pelo abraço do reencontro.
Ela sentiu o calor dele, uma presença firme que, apesar de tudo, nunca a abandonará.
Ele observava o horizonte, os olhos perdidos numa linha que parecia dissolver o passado e revelar o futuro.
— O que vem agora? — ela disse, a voz suave, quase um sussurro.
Alexander virou-se para ela, o olhar firme e um sorriso tênue nos lábios.
— Não sei. Mas quero descobrir ao seu lado.
A mão dele apertou a dela com força, como se fosse um pacto silencioso.
O vento trouxe o cheiro da terra molhada, do céu aberto, da vida que resistia.
Atrás deles, o chalé permanece ali, testemunha silenciosa de histórias de dor e amor.
À frente, a estrada é longa e incerta, mas cheia de possibilidades.
Claire sentiu o peito apertar, uma mistura de medo e esperança.
Ela sabia que a guerra havia acabado — mas as batalhas pessoais estavam apenas começando.
E naquele momento, com Alexander ao seu lado, ela estava pronta para enfrentar o que viesse.
Eles se levantaram juntos, mãos entrelaçadas, e caminharam lentamente em direção ao horizonte
futuro era um mistério.
Mas era deles.
Por Clara Noir para o blog Romance Vampiros.
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