“O Quarto do Último Andar”

Durante anos, uma casa vazia no final da rua, com suas janelas como olhos escuros observando a vizinhança. Ninguém se lembrava ao certo de quem para o último morador, apenas sussurravam que era uma senhora idosa, solitária, que falava com as paredes.

Quando Clara se mudou para a cidade, a casa a atraiu. Talvez fosse o silêncio entre as folhas do jardim abandonado, ou a forma como o sol nunca tocava o último andar, mesmo em dias de verão.

Ela não resistiu ao anúncio de venda. Comprou a casa por um preço simbólico e, com certo romantismo, decidiu restaurá-la sozinha. Sentia-se inspirado ali — como se o lugar sussurrasse ideias enquanto ela trabalhava.

Tudo vai bem, até a primeira noite em que Clara deu passos vindos do sótão.

Eram passos leves, arrastados, como os de alguém com sono ou saudade.

Subiu, armada com uma lanterna e coragem emprestada do cansaço. O sótão estava vazio, exceto por um espelho antigo encostado na parede. Um espelho oval, empoeirado, com moldura de madeira escura entalhada à mão.

Elau limpou o vidro e, por um instante, viu algo atrás de si — uma sombra de vestido longo, os olhos escuros, o rosto parcialmente coberto por um véu antigo. Quando virou-se, nada havia.

Clara riu nervosamente. “É só o cansaço”, pensou. Mas não voltei a dormir.

Nos dias seguintes, Clara começou a sentir que o tempo desacelerava quando estava no último andar. Os ponteiros do relógio apontam menos apressados. Seu reflexo no espelho, às vezes, demorava um segundo a mais para acompanhá-la.

Certa tarde, encontrei uma carta escondida atrás de uma tábua solta no chão do sótão. Era endereçada a “quem ousar abrir esta casa”. Escrita com caligrafia trêmula, dizia:

“Esta casa foi feita para guardar o tempo que não quer passar. Eu fiquei. Outros também. Se ouvir passos, não os siga. O espelho não é porta, é prisão. E reflexo nem sempre quer voltar.”

Clara Rio. “Uma brincadeira de mau gosto”, disse em voz alta. Mas quando olhou o espelho, viu-se sorrindo… ainda que não revelou de verdade.

Naquela noite, ela cobriu o espelho com um lençol e desceu, jurando ignorar os passos que saíram a ecoar. Só que, na manhã seguinte, o lençol estava no chão. E o espelho parecia… mais limpo. Mais nítido. Como se Clara, lá dentro, estivesse acordando antes dela.

A casa continua ali, no fim da rua. Clara também. Mas, às vezes, os vizinhos dizem que veem luzes no último andar mesmo quando a casa deveria estar vazia.

E há quem jure que o espelho ainda está lá. Esperando.


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