Capítulo 2 – O Começo que Ninguém Viu
Por Clara Noir
Hoje o dia amanheceu pesado.
Mas eu ainda sentia você.
Como se seus dedos ainda estivessem entre os meus. Como se a sua respiração ainda estivesse grudada na minha nuca. Como se você ainda estivesse aqui… me olhando daquele jeito.
Escrevo antes que o tempo me roube o que resta de ontem, e antes que as lembranças comecem a doer mais do que aquecer.
A verdade, Amor, é que a gente começou antes mesmo do primeiro beijo.
Você lembra daquela vez no carro?
Aquela conversa longa depois de um dia qualquer. Eu estava com a blusa branca colada no corpo e você com aquele olhar distraído, mas faminto. Era como se as nossas palavras fossem só uma desculpa pra não se devorar ali mesmo.
— A gente não devia — você disse.
— Eu sei — eu sussurrei.
Mas não saí do carro.
Você também não.
O rádio tocava baixinho de novo — sempre tem música quando a gente quase se perde — e você passou a mão no volante como se quisesse ocupar os dedos que queriam me tocar.
— Você me olha como se soubesse demais — eu disse.
E você sorriu, devagar, com aquele canto de boca que me arrepia até hoje.
— E você finge que não sabe de nada — você devolveu.
Ficamos em silêncio.
Mas a tensão entre nós fazia barulho.
Era o som do que estava prestes a acontecer.
Nosso primeiro toque de verdade aconteceu sem que ninguém visse. Foi no corredor de um lugar qualquer.
Gente passando. Sorrisos disfarçados.
Mas sua mão encostou na minha cintura — e ficou ali um segundo a mais do que devia.
Você não pediu.
Eu não recusei.
Foi rápido.
Mas meu corpo inteiro se incendiou por dentro.
Naquela noite, eu dormi com a mão entre as pernas, imaginando a sua.
Com a boca aberta, sussurrando seu nome na escuridão do quarto.
Com o coração acelerado, torcendo pra você me mandar aquela mensagem de novo.
E ela veio.
“Se eu encostar de novo… não vou parar.”
Eu respondi sem pensar:
“Então encosta.”
E desde então, você nunca mais parou.
Nosso primeiro encontro real, no quarto, veio dias depois.
Mas nossas vontades já tinham transado mil vezes no pensamento.
Você chegou com cheiro de noite, com olhos de fome, com a pele quente.
Me encostou na parede do corredor como se o mundo não existisse.
Me beijou com raiva. Com ternura. Com sede.
Eu me lembro da sua língua passeando no meu pescoço, do seu corpo me prensando contra a parede, da sua voz rouca no meu ouvido:
“Hoje você é minha.”
E eu fui. Inteira. Sem pudores.
Você me despiu aos poucos.
Desabotoou minha blusa como se abrisse um presente.
Beijou meus ombros, mordeu minhas costas, me virou com força e me tomou como se o tempo tivesse acabado.
Cada estalo dos nossos corpos no escuro parecia um trovão no meu peito.
Cada vez que você dizia meu nome, eu queria gravar na pele.
Fizemos amor como se estivéssemos fugindo do mundo.
Mas no fundo, estávamos fugindo de nós mesmos — e falhamos. Porque desde então, nunca mais conseguimos ficar longe.
Hoje, escrevendo isso, sinto você dentro de mim.
Não só o corpo. Mas o que você causou aqui dentro.
Um desejo que não passa.
Um vício em você.
Um segredo que virou refúgio.
E eu sei, Amor…
A gente ainda vai se perder mais vezes.
Mas também vai se encontrar sempre que quiser.
Porque esse nosso segredo —
…ele já virou parte de quem eu sou.
— Clara Noir