Confissões a Três

O céu de fim de tarde parecia em chamas quando Luísa desligou o carro em frente à chácara da família. A grama alta, o cheiro de terra quente e o som abafado dos grilos criavam uma sensação de refúgio. Ela saiu do carro sorrindo, ajeitando os cabelos com os dedos.

— É aqui que a mágica acontece — disse, abrindo os braços.
— Achei que a mágica já tinha acontecido dentro do carro — respondeu Gabriel, com aquele sorriso torto que só ele sabia dar.
—. — Ela riu, mas os olhos brilhavam.

Gabriel era dois anos mais velho que ela, mas parecia mais novo quando sorria. Passavam quase todo o tempo grudados, intensos, vorazes. O fim de semana naquela chácara seria o primeiro longe de tudo — da cidade, dos pais, da rotina — e a promessa de liberdade tinha deixado os dois em chamas.

Mas ao abrir a porta da varanda, Luísa parou. Havia luzes acesas. Perfume no ar. É uma voz vindo da cozinha.

— Tia Ana?

Ana Cláudia apareceu com uma taça de vinho na mão, o cabelo preso num coque frouxo e um vestido leve de linho branco que revelava mais do que escondia.

— Eu pensei que vocês viriam amanhã à tarde — ela disse, com um sorriso tranquilo. — Me adiantei um pouco.

Luísa correu e abraçou a tia.
Gabriel ficou parado, sem saber se olhava para o chão, para a namorada ou para as pernas bronzeadas daquela mulher que parecia ter saído de um comercial de vinho.

— Tia Ana, esse é o Gabriel.

— Prazer — disse ela, com os olhos cravados nele.
— O prazer é meu — ele respondeu, e por um segundo, teve certeza de que aquilo tinha duplo sentido.

Naquela noite, os três jantaram juntos na varanda. O calor era úmido, e as velas espantavam os insetos, mas não os olhares. Ana Cláudia falava de viagens, de homens que colecionavam livros e corações, de noites na Toscana e manhãs em Paraty.
Gabriel ouvia mais do que falava. E Luísa não parecia perceber como os olhos dele se demoravam na curva dos ombros da tia, ou como a voz dela tinha o dom de silenciar tudo ao redor.

— Vou tomar um banho — disse Luísa, levantando-se. — Gabriel, vem comigo?

— Daqui a pouco — respondeu ele, como se estivesse hipnotizado pela taça na mão de Ana Cláudia.

A porta do quarto se fechou. E o silêncio se esticou entre os dois.

— Ela é linda, sua namorada — disse Ana Cláudia, sem olhar para ele. — Jovem. Impulsiva. Mas ainda tem tanto a descobrir…

— É — respondeu ele. — Ela é intensa. Mas…

— Mas?

—Você… é diferente. É como… se soubesse coisas que a gente nem imagina.

Ana Cláudia sorriu e se levantou.

—Boa noite, Gabriel.

E entrou. Sem dizer mais nada.

Na madrugada, Gabriel se virou na cama e não encontrou Luísa. A janela estava aberta, e uma brisa morna entrava. Levantou-se devagar. Ao passar pelo corredor, viu a luz da sala acesa.

Ana Cláudia estava sentada no sofá, descalça, com uma taça na mão e uma música baixa tocando no rádio antigo da chácara — algo suave, jazz melancólico.

— Insônia? — ele perguntou.

— Memórias demais, talvez.

Ele se aproximou.
Ela o olhou sem surpresa.

—Você a ama?

—Amo — disse ele, sem hesitar.

—Mas deseja outras?

Ele parou. Piscou.

—Você, por exemplo?

Gabriel ficou em silêncio. A respiração dele se alterou.

—Você me deixa… curioso. — Ele falou baixo. — A maneira como você olha… como se me despisse sem tocar.

Ela se levantou. Andou até ele.
Colocou os dedos na gola da camiseta dele e ajeitou com carinho.

—Você ainda não sabe o que fazer com esse desejo. Está preso entre a culpa e a fome. Mas…

E então o beijou.

Foi um beijo calmo, profundo. Sem pressa.
Um beijo de mulher que sabe exatamente a força que tem.
Um beijo que o fez esquecer o mundo. Inclusive Luísa.

Na manhã seguinte, o café foi silencioso.
Luísa brincava com a colher no copo, contando que sonhou com cobras e que isso era sinal de mudança. Gabriel não disse nada. Ana Cláudia apenas sorria.

Quando Luísa saiu para nadar no pequeno lago, Gabriel ficou na varanda, observando-a correr em direção à água. Sentiu o corpo ferver.
Ana Cláudia apareceu atrás dele, encostando os dedos em seus ombros nus.

—Ela vai querer brincar à tarde. Vai te amar do jeito dela. Mas à noite…

—À noite?

—À noite você vai sonhar comigo. Com a minha boca. Com a minha voz no seu ouvido dizendo que pode me tocar sem medo.

—Eu já estou sonhando.

Ela o virou para si.
—Não. Isso ainda é só a introdução.

O fim de semana se transformou num jogo de provocações silenciosas. Luísa e Gabriel transavam com paixão, como se tentassem abafar outra coisa que os envolvia. Mas ele sabia. Em cada toque, em cada gemido, era Ana Cláudia que surgia na mente dele.

No último dia, depois do jantar, Luísa foi dormir cedo. Estava cansada do sol, da água, do vinho. Gabriel ficou na sala, o coração martelando no peito.

Ana Cláudia apareceu de novo, como uma visão recorrente. Vestia um robe de seda aberto sobre a pele nua.

—Você sabe o que quer — ela disse, se aproximando. — Só precisa parar de se desculpar por isso.

—Eu tenho medo de não voltar.

—Talvez não deva voltar. Talvez precise… atravessar.

Ela pegou a mão dele e a colocou sobre o próprio ventre.
—Sinta. É real. É agora.

E Gabriel cedeu.

O corpo dela era como um mapa de prazeres antigos. A pele morna, os seios firmes, o quadril firme e acolhedor. Ela o guiava com a respiração, com o gemido, com os olhos fechados em êxtase.

Ele a penetrou com força, com fome, com adoração.
Ana Cláudia envolvia seu corpo como quem consagra um altar. O som dos dois enchia a sala, abafado apenas pelo rádio antigo tocando em volume baixo.

—Você é fogo — ela sussurrou. — Mas agora… é meu.

E ele foi.

Na manhã seguinte, quando Luísa acordou, Gabriel já estava na cozinha. Preparava café, como se nada tivesse acontecido. Ana Cláudia se despedia na varanda, vestida com a mesma elegância serena.

—Até breve, meus amores — disse, com um beijo no rosto de cada um.

E partiu.

Gabriel e Luísa ficaram abraçados, olhando a poeira da estrada levantar.

Ela encostou o rosto no ombro dele.

—Sabe o que eu sonhei essa noite?

—O quê?

—Com você… e minha tia.
—Ah, é?

—É. E não foi pesadelo.

Ela sorriu.
E ele, pela primeira vez, não soube o que dizer.


“a sensualidade literária também é explorada em obras consagradas, como mostra este artigo da revista Bula.”

Link sugerido:
https://www.revistabula.com/57822-10-livros-eroticos-e-inteligentes-para-quem-gosta-de-literatura-de-verdade/

https://noitesproibidas.blog/confissoes-a-tres-capitulo-2/

Por Clara Noir para o blog Noites proibidas.
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