O Espelho Entre os Mundos
Durante os dias seguintes, Étienne não conseguiu ir embora. Inventava desculpas para si mesmo — cansaço, chuva, falta de direção. Mas no fundo sabia: queria vê-la de novo. Queria sentir aquele arrepio, aquele toque.
Todas as noites, ela aparecia. Sempre pelo espelho.
Às vezes, surgia nua, os cabelos soltos, observando-o como se estudasse cada detalhe de seu corpo. Outras vezes, surgia vestida com roupas de séculos passados: espartilhos de renda, saias longas, cinturas marcadas. Mas o olhar… o olhar era sempre o mesmo. Profundo. Triste. Faminto.
— O espelho nos une — sussurrou certa noite, acariciando o vidro frio, do lado de lá. — Eu não tenho mais um corpo. Não desde 1874.
Ele se aproximou, de respiração presa. — Você… morreu?
— Não exatamente. — sorriu, melancólica. — Fui esquecida. Presa entre um beijo e um espelho. E agora só posso tocar quem me deseja.
Ela o desejava. E ele, perdido em sua obsessão, já não queria mais o mundo for a do quarto 12.
Na noite da tempestade, Étienne fez o impensável.
Tocou o espelho.
As pontas dos dedos atravessaram o vidro como se mergulhassem em água morna. Do outro lado, ela o puxou. Um arrepio percorreu sua espinha. Ele entrou.
Não havia hotel do outro lado, apenas escuridão, veludo, e o corpo dela. Ela o envolveu com uma fome calma, profunda, sem tempo. Beijaram-se por séculos em segundos, e fizeram amor como se o tempo tivesse parado. A sensação era quase insuportável de tão vívida.
Quando acordou… estava de volta à cama. Sozinho. Ni. O espelho… rachado.
Na recepção, a recepcionista agora o olhava com um misto de pena e temor.
— O senhor precisa ir embora.
— O quarto 11… ela está lá.
— O quarto 11 foi onde a filha do antigo dono… onde ela… se jogou do espelho. — sussurrou, como se fosse proibido dizer. — Ninguém fica muito tempo aqui depois de vê-la. O último… ficou como o senhor. Pálido, distraído, sempre tocando os vidros. Ele sumiu.
Naquela noite, Étienne não dormiu.
Encostou-se ao espelho, esperou, chamou. Mas ela não apareceu.
No dia seguinte, partiu.
Sem destino, mas levando a marca dela em seus lábios. E em cada espelho que via, parava. Tocava. Esperava.
Porque sabia: uma vez que se ama alguém do outro lado do espelho… você jamais ama alguém deste mundo.
Por Clara Noir para o blog Romance Vampiros.
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