A Estranha da Estrada – Capítulo 2

O Encontro na Pousada Nocturna


O gosto metálico ainda estava ali, grudado na língua como ferrugem. A língua pesada. Os olhos ardendo.

Ele abriu as pálpebras devagar, sentindo a cabeça latejar como se tivesse atravessado uma noite inteira bebendo. Mas o cheiro não era de álcool. Era de terra molhada, folhas apodrecendo e… sangue.

Estava deitado sobre um colchão improvisado de folhas úmidas, no meio do mato. Não havia sinal do carro. Não havia sinal dela. Apenas o silêncio espesso, quase sufocante, que parecia engolir cada som.

Tentou levantar-se, mas o mundo girou. O corpo estava fraco, as pernas instáveis. As mãos tremiam. Foi então que percebeu: havia sangue seco em seus dedos. E no pescoço… duas pequenas perfurações, perfeitas e paralelas.

A memória veio como estilhaços: os olhos dela, vermelhos como brasas; os lábios frios, quase gelados; a boca se abrindo sobre sua pele; o dor súbita, cortante; e depois… o vazio.

Mas agora ele respirava. Sentia o ar entrando nos pulmões.

Ele estava vivo.

Ou pensava que estava.


A Luz ao Longe

Cambaleando, caminhou até a beira da estrada. O asfalto brilhava sob a lua como uma lâmina de aço. Nada de carros. Nada de pessoas.

Foi então que viu: ao longe, uma luz tênue, tremulando entre as árvores. Um letreiro de madeira, iluminado por lâmpadas amareladas, balançava com o vento: Pousada Nocturna.

A cada passo, a estranheza crescia. A pousada parecia velha, mas cuidada, como se alguém tivesse mantido tudo intacto por décadas. As paredes de madeira escura, a varanda larga, e na porta, um sino pendurado que tilintava suavemente.

Bateu. O som ecoou na noite.

A porta se abriu lentamente. Uma mulher surgiu, com cabelos negros presos num coque baixo, pele clara e um olhar tão firme que parecia atravessar a alma.

Ela não sorriu. Não perguntou quem ele era. Apenas o observou, dos pés ao rosto, como se já soubesse.

— Ela mordeu você… não é? — perguntou, a voz baixa, quase um sussurro.

Ele sentiu a boca secar.

“Como você sabe?”

Ela deu um passo à frente.

— Porque… ela também me mordeu.


O Passado da Pousada

A mulher se apresentou como Helena. Convidou-o a entrar, e o calor da lareira imediatamente o envolveu. O ambiente tinha cheiro de madeira queimada, misturado a algo doce, talvez flores secas.

Helena serviu-lhe uma caneca com chá fumegante.

— Beba. Vai ajudar.

Ele obedeceu, sentindo o calor percorrer a garganta.

— Quem é ela? — perguntou, com a voz quase rouca.

Helena suspira.

— Alguns a chamam de A Estranha da Estrada. Ninguém sabe seu nome verdadeiro. Eu a vi pela primeira vez há vinte anos, na mesma curva onde você deve tê-la encontrado. Era jovem… e idiota. Parei o carro, e o resto você pode imaginar.

Ele fechou os olhos, sentindo as palavras ecoarem.

— E você sobreviveu?

— Sobrevivi… de certa forma. — Helena inclinou o pescoço, revelando as mesmas marcas que ele tinha. — Mas desde aquela noite, nunca mais fui a mesma.


O Aviso

Helena se aproximou, e por um instante ele notou um brilho estranho em seus olhos. Não era vermelho como o dela, mas havia algo não-humano ali.

— Você precisa entender — disse ela, firme — que depois da primeira mordida, ela volta. Sempre volta.

Ele sentiu um arrepio na espinha.

— Volta… para quê?

— Para terminar o que começou.

O silêncio caiu sobre eles como uma cortina. Do lado de fora, o vento aumentou, fazendo as janelas tremerem.

Helena pousou a mão no ombro dele, e seu toque era frio.

— Você tem pouco tempo.

Ele tentou perguntar “tempo para quê?”, mas antes que pudesse, ouviu um som distante, vindo da estrada. Um som de passos… lentos.

Helena olhou para a porta, depois para ele.

— Já é tarde demais.


O Som dos Passos

O coração dele disparou. A respiração tornou-se curta e irregular. A sensação de que estava sendo caçado, apesar de não ver nada, crescia com cada segundo.

Ele se levantou com dificuldade, olhando pela janela em direção à estrada escura.

A figura surgiu.

Era ela.

A Estranha da Estrada.

Seu corpo pálido, agora iluminado pela luz fraca da lua e do letreiro da pousada, parecia etéreo, quase como um fantasma. Os cabelos negros flutuavam ao vento, e os olhos vermelhos brilhavam com uma intensidade sobrenatural.

Ele voltou-se para Helena, buscando alguma proteção.

— O que faço? — perguntou, a voz trêmula.

Helena sorriu, triste.

— Você pode tentar resistir. Mas ela não aceita “não”.

O som dos passos estava mais próximo agora.


A Escolha

Ele sentiu o medo consumi-lo, mas algo dentro dele lutava contra a sensação de desistência.

— Não vou deixar que ela me leve.

Helena assentiu, pegando uma pequena caixa de madeira do bolso.

— Tome isto. É tudo o que posso lhe dar.

Dentro havia um colar com um pingente em forma de lua crescente, feito de prata envelhecida.

— Isso vai protegê-lo — explicou ela —, ao menos por um tempo.

Ele colocou o colar no pescoço, sentindo um leve formigamento.

O silêncio reinou por alguns instantes.

Então, a porta se abriu lentamente.

Ela entrou.


O Confronto

A mulher misteriosa parou no centro da sala, olhando para ele com um sorriso cruel.

Ele sentiu o cheiro dela, uma mistura inebriante de flores mortas e ferro.

Ela se aproximou, lentamente, como se brincasse.

— Você tenta fugir, mas sabe que não pode — sussurrou ela.

Ele a encarou, a mão segurando firme o pingente da proteção.

— Eu não sou seu próximo brinquedo.

Um silêncio denso tomou conta do ambiente, até que ela riu — um som frio e cortante.

— Veremos.


A Batalha da Noite

A noite que se seguiu foi um jogo de vontades. Entre beijos e mordidas, suspiros e gritos silenciosos, desejo e medo se misturaram num turbilhão.

Ela tentava dominá-lo, ele lutava para manter o controle.

Cada movimento dela era uma dança entre prazer e dor.

O pingente brilhava tenuemente, afastando-a em alguns momentos, mas a força dela era imensa, sobrenatural.

Até que, antes do amanhecer, ela recuou, desaparecendo na escuridão da estrada.


O Amanhecer e o Novo Começo

Com o primeiro raio de sol, o silêncio voltou à pousada.

Ele estava exausto, mas vivo.

O colar ainda pendia em seu pescoço, um lembrete de que o perigo não havia acabado.

Helena sorriu para ele, com a certeza de quem já viu isso antes.

— Amanhã será outro dia.

E naquela noite, ele sabia que sua vida nunca mais seria a mesma.


Capítulo 1 — Vozes Entre as Paredes

Por Clara Noir para o blog Noites Proibidas
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