Parte I – O Vento, o Sal e o Passado
O vento rugia como uma fera, sacudindo o cargueiro Alvorada Negra enquanto ele cortava as ondas do Atlântico. Helena Duvall, trinta e cinco anos, mantinha as mãos firmes no timão, o corpo ereto, a postura de quem sabia que qualquer vacilo no mar custava vidas.
Naquele ano de 1855, poucas mulheres ousavam pisar no convés de um navio mercante, muito menos comandá-lo. Mas Helena não apenas pisava — ela reinava.
O mar não perdoava. Os homens, menos ainda. Ela aprendeu cedo que precisaria de mais do que força física para sobreviver. Precisaria de astúcia, crueldade e a disposição de fazer o que fosse necessário, mesmo quando o peso na consciência ameaçava afogá-la.
O balanço do navio não a incomodava. O que a incomodava eram as presenças que sempre a acompanhavam.
Os fantasmas.
Sombras masculinas que, na maioria das noites, se postavam nos cantos da cabine ou surgiam sobre o convés, sempre silenciosas, como se aguardassem que ela quebrasse.
E entre todas essas aparições, havia ele.
— Está frio esta noite, não acha? — a voz dele era suave, carregada de um calor que nenhum vento podia levar.
Helena não precisava se virar para saber que ele estava ali, sentado na cadeira de madeira próxima à mesa de cartas. Os cabelos castanhos levemente desalinhados, o sorriso que já for a seu abrigo e sua perdição.
— Mais frio do que você pode imaginar — respondeu, sem tirar os olhos do horizonte.
O jovem sorriu. — Sempre tão dura… mesmo comigo.
Ela fechou os olhos por um instante. Lembrar dele era inevitável, porque ele não a deixava esquecer.
O gosto da pele, o cheiro do suor, a forma como suas mãos tremiam de ansiedade na primeira vez que a tocou. Tudo voltava.
Era outra vida. Outra Helena.
A cama era estreita, o colchão gasto pelo tempo. Ela estava deitada de lado, os cabelos caindo sobre o rosto, e ele, ajoelhado aos pés dela, passava os dedos por suas coxas nuas. Helena mordeu o lábio quando sentiu a respiração quente descendo, explorando cada centímetro.
Ele se inclinou e começou a chupar devagar, língua e lábios descobrindo cada parte molhada, sugando com paciência até ela sentir o corpo inteiro formigar.
Um gemido escapou, baixo, urgente.
— Continua… — ela pediu, afundando os dedos nos cabelos dele.
O prazer cresceu como onda prestes a quebrar, e quando ela gozou, foi como se o mundo tivesse se dissolvido. Ele subiu pelo seu corpo, a boca encontrando a dela, e ela sentiu o sabor misturado de seu próprio prazer.
Então ele a penetrou — lento no início, depois mais fundo, fazendo-a prender a respiração e apertar-se contra ele. A madeira da cama rangia, e o calor entre os dois queimava como se o quarto inteiro fosse feito de fogo.
Naquela noite, ela acreditou que nada poderia separá-los.
Mas estava errada.
Parte II – A Primeira Morte
O som das ondas contra o casco trouxe Helena de volta ao presente. Ela abriu os olhos e encarou o rapaz. O mesmo olhar, o mesmo sorriso. Mas não o mesmo destino.
— Você lembra do que aconteceu depois, não lembra? — ele perguntou.
Ela virou-se lentamente, caminhando até a mesa. — Lembro de tudo.
— E sente culpa?
— Sinto … e não sinto.
— Você me amava.
— Amava. — Ela ergueu o queixo. — Mas precisava sobreviver.
O silêncio que veio depois era quase insuportável. Helena lembrava com clareza do momento em que a vida que conhecia se rompeu.
Um homem mais velho, comandante de um navio mercante, fez-lhe uma proposta: embarcar como “propriedade” dele em troca de segurança. Helena recusou. O preço de sua recusa foi alto: eles atacaram sua casa, e o jovem que amava lutou para defendê-la.
No fim, ela entendeu que não havia salvação para nenhum dos dois — não do jeito antigo. Ele seria uma fraqueza para sempre. E, no mundo que a esperava, fraquezas eram sentenças de morte.
Ela o chamou para perto, beijou-o como se fosse a última vez. O tesão e a dor se misturaram, ela o cavalgando com fome, o corpo dele latejando dentro dela, até que ambos perderam o fôlego.
Foi nesse instante, no auge do prazer, que ela pegou a faca. Um golpe rápido, profundo.
O olhar dele, primeiro surpreso, depois vazio, a perseguiu desde então.
No navio, ele se levantou da cadeira e se aproximou. — Você me matou… e ainda me deseja.
— Não — ela murmurou, embora seu corpo a traísse, o calor subindo, as lembranças se misturando ao presente.
— Mente para todos, Helena… menos para mim.
Ele tocou seu rosto, e, embora fosse feito de nada além de lembrança e sombra, ela sentiu o toque. Sentiu também o impulso antigo, aquele que a dominava sempre que ele estava por perto.
— Você sabe que uma parte de mim sempre será sua — ela sussurrou.
— Eu sei. E é por isso que não vou embora.
Lá fora, a tempestade começava a crescer.
Dentro da cabine, Helena sabia que, naquela noite, não seria apenas o mar que tentaria levá-la ao fundo.
Por Clara Noir para o blog Noites Proibidas.
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